Infância: amigos da minha Jornada (parte I)


Nunca vi os animais como seres menos que os humanos em todas as questão, principalmente no que diz sobre inteligência. Mesmo porque essa palavra é muito relativa.
E também não vou ficar buscando exemplos que comprovem a sabedoria deles; quem tem bicho perto de si sabe que eles estão aqui para nos ajudar nessa trajetória deste planeta denso, intenso.

Já tive muito bicho. Desde pequena não sei o que é viver sem eles. Era gato, cachorro, porquinho-da-índia (alguém já viu?), pintinho, marreco, coelho, e lá se vão. Até comida pra rato eu já dei (rato mesmo, daqueles tipo de esgoto).

Só não dava certo passarinho; no dia seguinte eu abria a gaiola e ficava esperando ele sair.
Alguém já soltou passarinho da gaiola?
Eu já soltei um monte. Meu, da vizinha, da lavadeira, do meu vô.

Tudo começou quando eu ganhei  um canário. Ganhei do meu padrasto (homem do bem).
“Não vai soltar ele, custou muito caro. Ganhei no pagamento de uma dívida.”.

Eu, com nove anos, no meu corpo franzino, de joelho torto e cabelo ralo, recebi a gaiola nas mãos de unhas sujas e maltratadas (não dá tempo de se embelezar quando você tem uma ninhada de gato sem mãe-gata pra cuidar).

“Não pode soltá-lo, senão ele morre de fome, tá?”, afirmou meu padrasto.


Soltar passarinho da gaiola traz felicidade morna, quase beirando a melancolia.

No primeiro instante, ele não sabe o que fazer. Fica lá esperando alguma coisa (comida, troca de água, limpeza). De repente, ele olha para a portinha aberta, faz aqueles movimentos rápidos com a cabeça... e espera. Dependendo do tempo de gaiola, tem passarinho que nem sai, não sabe mais voar.
Tem tristeza maior que essa?
Um passarinho que não sabe voar?

Ele demorou, se aquietou, depois se desassossegou de novo, foi lá dá uma espiada no mundo dividido e ... voou.
 Só vi aquele ponto amarelinho sumindo no sorriso do céu.

“Mãe, não tem o passarinho que vocês me deram...”
“Tem”, ela respondeu.
“ Ele fugiu...”
“Fugiu como?”, com a voz curiosa.
“Não sei, quando eu voltei ele não tava mais na gaiola”, contei.

Uma pausa nos lábios da minha mãe. Depois de um tempinho ela pergunta:
“O voo foi bonito?”
“Foi”, respondi.
Ela sorri.


Que todos os seres sejam felizes
Que todos os seres sejam livres
                         Budismo Tibetano

borboletar


Nesses dias, conversando com uma grande irmã de caminhada, que comentava sobre a complexidade de sentimentos que o livro “Comer, Rezar e Amar” traz em suas linhas, tive um insightEu a ouvi atenta, confesso que não tive a oportunidade de ler a obra, e isso me fez querer.

Terminamos o papo, e fui recolher a roupa do varal com a conversa na cabeça.
Vi uma lagarta comendo ferozmente minha couve. Simplesmente ali consegui visualizar com toda a claridade possível: ela vai COMER, depois vai REZAR, e depois vai AMAR.
Que analogia forte com o ser humano. Como a natureza nos dá lição de vida o tempo todo.

Pensei comigo: “será que Elizabeth Gilbert (a autora do livro) viu isso antes de escrever?”

                            
                     COMER          REZAR           AMAR         =         BORBOLETAR





















Brincadeiras a parte (e é muito bom brincar), ainda não li o livro “Comer, rezar e amar”, mas pensei em fazer uma intertextualidade sobre o título, pois eu vi nele o que todos nós procuramos.

Precisamos no interiorizar, mas o que mais fazemos é sair em um incessante busca externa.
Profetas, filósofos, seres iluminados tentam nos dizer isso a milênios, mas poucos os escutam.

Por que achamos, e às vezes parece que temos certeza, que nosso alimento está lá fora?
Ou ainda mais, que estamos lá fora, no lado externo e que precisamos nos buscar.

Tudo parece mais fácil quando essa busca é externa: vou viajar para me encontrar, vou fazer um retiro para meditar, vou fazer workshop para me entender, vou cair na farra para me esquecer.

Acredito ser de grande valia cada busca que fazemos externamente, sejam em seminários, vivências, viagem, retiros, pois o sistema social em que vivemos não é fácil. E se faz necessário essa pausa deste mundo irreal e de ilusões.

Mas é preciso saber que este é o momento do “comer”  (informações e conhecimentos) para então levarmos para o momento do  “casulo” e metamorfosear toda a aprendizagem em sabedoria.

E onde fica este “casulo”?
É aí é que está!
É a nossa alma. É dentro de nós que está o sagrado, a sabedoria. O que está fora é o que está dentro. "O que está em cima é o que está embaixo" (Caibalion).

Quando nos damos contas dessa interconexão, não precisamos sair para buscar nada. Então a viagem, o retiro, o workshop, o seminário, a farra transmutam em vivências para compartilharmos nossa sabedoria interna (perdoem minha redundância extrema), para compartilharmos o amor, a compaixão, a compreensão pelo caminho de cada um.

Não sei se consegui me fazer entender...
Mas caso tenha ficado um texto obscuro..., é só olhar a natureza.
Parece piegas? Simplório?
Pode ser que sim, mas eu acredito que é na simplicidade que vivemos melhor. 


Beijos borboleteiros, 

ps.: para aqueles que não gostaram de “cair na farra” está entre as vivências para adquirirmos conhecimento, vou pincelar Clarice “Perder-se também é um caminho”.

brumas e eu - um mar dentro da alma



Contar como foi a criação do meu livro Brumas da Ilha é como escrever um outro livro.
Pretendo futuramente criar um encontro, uma palestra para que eu possa expor a profundidade com que foi "gestado" este meu sonho.

Por ora, vou contar um pouco da minha biografia... da minha história com Brumas, de como "elas" chegaram até mim.

Nasci em Florianópolis no mês de agosto de 1969. Na antiga Nossa Senhora do Desterro (é assim que está no meu facebook), Santa Catarina, estado localizado ao sul do Brasil.

Cresci em família somente de mulheres, minhas duas irmãs e minha mãe. Meu pai faleceu muito cedo (eu tinha 3 anos). A figura paterna me foi ausente, fui exposta a todas as oscilações lunares que fazem parte do universo feminino dentro de uma casa sem nenhuma interferência masculina. Imaginem um mundo de mulheres livres e selvagens, e multipliquem isso por 100.
E eram as amigas, primas, colegas, vizinhas, tias, mais amigas... tantas e tantas mulheres.
E nesse mundo eu cresci quieta, observadora e um pouco introspectiva. Mas posso afirmar que fui muito amada, sim pelo jeito peculiar de cada uma delas, mas muito amada. Hoje sei que toda a minha vivência neste maravilhoso mar feminino foi a base criativa para poder criar algo tão verossímil e belo como o livro Brumas da Ilha.   

Quando me formei em Letras Português pela Universidade Federal, em 2002, eu já havia passado um longo pedaço de minha vida. Divorciada, recomeçando a vida, conversei com um dos meus amigos sobre a ideia que já me perseguia desde 2000,  escrever sobre uma das lendas mais instigantes da minha terra: a vinda das Bruxas para a Ilha de Santa Catarina num porão de um cargueiro. Meu amigo me olhou e disse: “nossa... isso é demais!”.
Naquele ano, começo a sondar tímida e solitariamente livros e textos sobre a possibilidade de escrever um romance histórico, e não um texto acadêmico como todos esperavam.

Mas foi só em 2004, morando em São Paulo, eu realmente inicio a intensa pesquisa que me levaria a origem desta lenda:– a imigração açoriana à Ilha de Sta Catarina.

Começa um longo período de estudo sobre o Arquipélago de Açores: sua história, geografia, cultura, possíveis religiões e suas lendas. Descubro que as nove ilhas trazem muito mais do que lendas folclóricas, há um grande mistério que envolve até mesmo o seu descobrimento.

Na capital paulista, com incentivo de Rogério (meu atual companheiro), passei a dedicar intensamente meu tempo em pesquisa e estudos sobre os Açores, a história de Florianópolis e a cosmologia matriarcal (Velha Religião). Aqui meu sonho começou a dar seus primeiros passos.

Entre 2004 e 2005, fiz algumas viagens até Florianópolis  com intuito de pesquisar  nos acervos da UFSC e da UDESC, só então inicio o processo de criação ficcional do Romance Brumas da Ilha.

Em 2006, retornei em definitivo à Ilha e continuei as pesquisas e a criação. Porém, em maio deste mesmo ano, devido às "economias" em baixa, comecei a trabalhar em uma Empresa de Telecomunicações no Município de São José - Sta Catarina - como Redatora Técnica.
A criação logo ficou adormecida, pois não conseguia conciliar a jornada de trabalho de 9 horas com o desenvolvimento de pesquisa e artístico do livro. Fiquei sem escrever, e o que senti foi um grande aperto no peito e algo que me obstruiu o respirar.

Em setembro 2007, praticamente eu mesma “boicotei” minha promissora carreira na empresa (eu estava no setor de marketing de uma das melhores empresas de SC). Enviei uma carta ao presidente com críticas para lá de destrutivas sobre a sua administração e dos acionistas.
Em dezembro do mesmo ano, peço demissão, pois não havia mais “clima” em trabalhar em um local que eu mesma criticara.
Hoje compreendo que foi obra do meu “inconsciente”, algo dentro de mim gritava por criar, escrever, explanar, fantasiar, sonhar,  a me dizer para agir de alguma forma que me fizesse voltar e terminar o meu livro.
Com o dinheiro da demissão, "sobrevivi" até agosto de 2008. O romance estava quase terminado.

Em janeiro de 2009, faltando poucos dias para o término da entrega dos originais ao Edital Elisabete Anderle da Fundação Catarinense de Cultura, consegui terminar o romance e participar com o projeto As Brumas da Ilha, no setor Letras – publicação.
Em setembro de 2009, saiu o resultado dos projetos contemplados. Entre lágrimas, gritos, sorrisos, surpresa, comemorei o nome do meu projeto As Brumas da Ilha na listagem final.

Em 14 de agosto de 2010, consegui fazer o pré-lançamento Brumas da Ilha, na 22a  Bienal Internacional do Livro de São Paulo, através da minha Editora Isis de São Paulo. Foi uma vitória!
Em 27 de agosto do mesmo ano, aconteceu o inesquecível lançamento do romance na Livraria Saraiva do Shopping  Iguatemi de Florianópolis.
Meus amigos em peso foram, familiares que eu não via há muito tempo, pessoas que eu não conhecia foram lá me prestigiar e comprar o livro. Inarrável sentimento o que senti.

O retorno dos leitores é cada dia mais gratificante, e isso nutre meu espírito, minha alma e me faz ter consciência de que fiz tudo certo, e que ainda tenho longo caminho a percorrer...













Foto by Babi Balbis