Sonho a sonhar com o Mar.
Nasci praticamente nas águas de Floripa (Santa Catarina - Brasil).
Aos três meses de idade, fui
apresentada a Ele.
Vivi toda minha infância, adolescência e um pedaço da fase
adulta a mergulhar, a imitar golfinhos.
Ia de carona, descalça no chão concreto. Os pés ardiam, mas
era bom ouvir a terra.
Morei a 150 m da praia do Campeche por 6 anos.
Já morri mais de 20 vezes afogada (fui salva por surfistas,
salva-vidas, pescadores, pela minha mãe e irmãs), até aprender a me vestir de Mar...
Conheço o vento, se é maral ou terral. Fui surfista,
atravessava o canal de caiaque para a Ilha do campeche. Era quase morena jambo
(pra quem me conhece branquinha agora nem consegue acreditar).
No entanto, pra quem sempre ouviu o chamado das Montanhas é difícil resistir; o clamor
único e brando.
O mar nos solta.
A Montanha nos abraça.
O Mar é expressão.
A Montanha introspecção.
Hoje, permeada de Montanhas, sonho com o Mar diversas noites, como um “caso de
amor” não resolvido.
Nesses dias de outono, fui à praia. Escolhi um dia frio,
chuvoso, com as gaivotas nos seus cantos de lamento. Senti a umidade, o sal, as
conchas conversando. A imensidão que nos engole. A certeza que somos vivos, e de
que tudo é um grande Útero.
E o Mar, num lampejo de saudades, molha-me os pés. Ousado,
impaciente. Não queria ser molhada. Minha pele é fina, arde com o sal.
Ele se retrai, orgulhoso. Eu sorrio, e ele autoritário,
insiste em me aguaçar.
Eu digo “me esqueceste?”.
Ele responde “nunca...”
Eu pergunto “Nos vemos nos sonhos?”
Ele eclode, “sempre...”
Saio de mansinho, ouço-O
chorar... e, com paixão, me visto de Mar.